Todos os anos ouço diversos álbuns provindos do arquipélago nipônico, dos mais distintos gêneros. Acompanho alguns (ALGUNS?!) grupos e artistas ligados ao pop mainstream daquele país, mas também alimento uma constante curiosidade para o que é lançado por aquelas terras nucleares em outros ramos da música. Afinal, a indústria fonográfica japonesa além de colossal em número de vendas (de mídia física, enquanto em outros países esse mercado vai perecendo) também o é em estilos, e na constante mistura do ocidental e o oriental, o moderno com o tradicional.
Não costumo enumerar aqueles discos que no decorrer do ano considerei dignos de repetições exageradas no player do celular, mas ao ver a listinha postada nesse mesmo blog pelo Yuri, resolvi discorrer um pouco sobre os melhores (na minha opinião, afetada por diversos vícios e cegado pelo amor) lançamentos do ano. Escolhi o Japão como recorte geográfico e cultural por – ora bolas, por ser o país de onde provém a maioria dos álbuns que escutei nesse ano. É verdade que escutei muito mais coisa digna de nota, vinda de países do ocidente, mas um “top” geral me pareceu dispendioso em demasia. Essa é apenas uma amostra do que se produziu (e que ouvi, óbvio) por lá neste ano, não estando por ordem de preferência, apenas sendo jogadas ao vento pela vontade desse que escreve.
Além de puxar o saco dos meus preferidos (dez, pra ficar redondo) ao final indicarei outros dez álbuns, que mesmo por ter ficado com preguiça de escrever sobre a experiência auditiva presenciada de alguma forma chamaram a minha atenção de forma positiva, ou só foram bonzinhos; qual o problema em ser um álbum bonzinho, hein? Singles e coletâneas não contam.
Misaki Iwasa – Request Covers
Mais um ano, muitos singles do AKB48. Vou ouvindo, vendo os clipes de cada música e as suas apresentações em programas musicais da TV japonesa, enquanto repito para mim mesmo que tenho que parar com essas coisas e assumir uma postura mais séria perante a vida. Mas o que me chama a atenção mais uma vez é o indivíduo, como no ano passado em relação ao álbum solo de piano de Sakiko Matsui. Os vocais em uníssono já se tornaram rotina.
Em relação a essa guria, já havia ouvido e gostado do seu primeiro single (de 2012), também calcado no enka e em tudo que essa estética, de outra era da música popular japonesa, tempos de quimonos chiques e vocais teatrais, acarreta. Talvez o conceito de idols modernas cantando ao estilo das idols de outrora seja o que mais apele para os meus ouvidos, e no caso a execução também não deixa a desejar. São covers de músicas tradicionais da era, e a mocinha canta direitinho, obrigado. Destaque para as versões de Blue Light Yokohama (não consigo ouvir essa música, cantada originalmente por Ayumi Ishida, sem ser transportado para o Japão das últimas décadas do Período Showa, que durou de 1929 até 1989), Ettou Tsubame e Toki No Nagareni Miwo Makasse (clássico de Teresa Teng, cantora nascida em Taiwan mas popular tanto no Japão quanto na China), todas muito respeitosas às suas versões originais.
Momoiro Clover Z – 5th Dimension
Se é impossível entender o atual pop japonês sem procurar entender a obsessão desenfreada que os idol groups causam em tal sociedade desde épocas imemoriais, também seria difícil entender como esse “gênero” pode se justificar pela música, mas este álbum é uma prova que nem tudo é aparência nessas paragens. Na realidade tal disco, e o grupo que o carrega como estandarte, se coloca como um ensaio contra o jpop pasteurizado ao qual estamos acostumados. Rebeldia? Talvez, mas sem deixar de ser pop.
Ao início temos a introdução de O Fortuna, da ópera Carmina Burana, anunciando algo verdadeiramente grandioso e ambicioso. E o é, realmente, um grande álbum pop, em extensão, e ambicioso nas suas intenções. Inteligente também é a mistura de gêneros, sem medo de soar pretensioso ou chato em passagens de dubstep ao estilo de Skrillex (e como eu odeio isso, Jesus Cristinho). 5th Dimension é ambicioso e acerta em cheio ao correr contra a maré, e o Momoiro Clover, que já havia surgido com um ótimo álbum em 2011 e vinha crescendo como grupo, em popularidade e maturidade, vai passando pra trás garotas já estabilizadas nessa indústria vital. Palmas aos produtores.
Wakusei Abnormal – Nandemonai Kyoki
Mini-álbum de estréia desse grupo, formado por uma dupla de jovens mulheres sedentas por sangue, essencialmente uma banda de rock com influências variadas e corajosos toques de experimentalismo. São somente seis faixas, mas que exalam um poderoso potencial, marcado pela utilização do piano em contraste de guitarras distorcidas ao máximo em faixas como a quarta.
O segundo mini-álbum também veio nesse ano, intitulado Anata Sonata, e apresenta mudanças em relação ao primeiro registro. Conta com as primeiras faixas um tanto pop-grudentas-balada, mas são boas músicas, e também tem lá a sua dose de experimental. Me deixa bastante curioso no que poderá vir a seguir, mas só me resta esperar para ouvir.
Rin Toshite Shigure – i’mperfect
Fui lembrar dessa bandinha pouco antes de decidir fazer essa lista, demostrando o meu desapego com coisas organizadas e planejadas previamente. Já tinha ouvido o disco anterior, Still a Sigure Virgin? de 2010, e lembro de ter gostado na época apesar de logo após esquecer de correr atrás de outras coisas da banda, que faz um… um som legal, rock alternativo meio post-hardcore, meio matemático. Vocais masculinos e femininos. Primeira banda com vocais masculinos desta lista, pois é. Mas a baixista é uma gracinha, e muito competente, tanto no vocal quanto no seu instrumento.
Agressivo quando necessário, o que é a maior parte da sua duração, não implicando na não existência de momentos de calmaria dentre essa chuva de pedras. Mas tenho a impressão que o álbum anterior era mais corajoso, só que para afirmar uma coisa dessas precisaria revisitá-lo, coisa que ainda não fiz. Mesma coisa em relação aos outros discos, cuja audição parece valer a pena.
Perfume – Level3
Quando o produtor é talentoso, não tem jeito. O que temos aqui é o quarto álbum das meninas do Pefume, trio formado por Yuka Kashino, Ayano Oomoto e Ayaka Nishiwaki, mas quem brilha por baixo de tantas camadas de eletropop é Yasutaka Nakata, “mago” da música eletrônica japonesa e membro do grupo Capsule. Nakata é produtor (além de compositor e, às vezes, letrista) das meninas desde 2003, e a qualidade do seu trabalho transparece de forma fantástica no produto final. Por Deus, sou muito fanboy desse cara.
Os vocais são padrão jpop e a música é daqueles eletropop, quase house, dançantes pra caramba. Não sou de dançar, mas numa balada que tocasse Perfume, quem sabe. Mesmo as músicas que já haviam sido a-sides dos singles lançados anteriormente não soaram repetitivas (e acredite, ouvi muito esses singles) já que receberam um tratamento diferenciado para as suas versões do álbum. É o Japão ensinado o pessoal a fazer música para dançar a noite toda, mesmo que eu nem levante do sofá enquanto estou ouvindo. E é também a volta a forma dessas meninas, depois de um álbum mais ou menos em 2011 (JPN, que até gostei bastante também, ao ponto de dar 3,5 no Rate Your Music).
tricot – T H E
Mais um álbum de rock bem longe do convencional, de um grupo também formado quase que só por garotas. A única exceção é o baterista. Juro que não tenho nada contra bandas masculinas, é que 2013 foi pedrada atrás de pedrada.
Não sou o maior fã de math-rock, mas bandas como esta me fazem ter um respeito maior pelo gênero, além da vontade de conhecer cada vez mais. Não há aqui, como era de se esperar, a limitação a apenas um modelo, receitas de músicas de math-rock perfeitas. Instrumentalmente é bastante livre, além da competência óbvia de todos os membros em seus respectivos instrumentos de trabalho (o grupo possui duas guitarras e um baixo, e além da guitarrista/vocalista principal as outras meninas também fazem backing vocals). Pra ouvir do começo ao fim, sem pular nenhuma faixa, acompanhando a bateria com os dedos e batendo a cabeça na parede.
Kyary Pamyu Pamyu – Nanda Collection
Outra maravilha pop produzida por Yasutaka Nakata. O segundo álbum de estúdio da cantora, modelo e instrumento das elites para a concretização da nova ordem mundial illuminati também merece os louros do sucesso, abundante desde 2011, quando o clipe de PonPonPon viralizou pelas bandas da internet. A estética extremamente kawaii (Kyary se declara uma porta-voz da cultura, e moda, que se desenvolveu nas ruas da região de Harajuku, na capital japonesa) e clipes bizarros, que dão eco ao senso comum, para o qual o Japão se trata apenas da terra do WTF, ao mesmo tempo que espantou muitos também atraiu outros tantos, por motivos diversos.
Estranhezas à parte, musicalmente é uma produção e tanto. Já puxei o saco do Nakata o suficiente e quando faço isso parece que a mão de Kyary em suas músicas é inexistente, o que não é verdade. Ao cantar temas tão inocentes quanto doces e sorvetes de morango, e até refletindo sobre a chegada da vida adulta em alguns momentos, Kyary lembra de certa forma a France Gall do meio da década de 1960. Veredito: muito melhor que o álbum do Justin Timberlake, rs.
BiS Kaidan – BiS Kaidan
Colaboração entre o grupo idol BiS, já bastante contestador ao sistema tradicional da indústria idol por si só, e a banda noise Hijokaidan, veteranos no assunto. A mistura dá muito certo, resultando em versões de músicas do grupo sendo executadas em conjunto com a orquestra harsh noise, especialidade nipônica como os sushis e versões hentai de animes de sucesso.
O destaque aqui fica para a versão de uma música de outra ferrenha anti-idol, talvez a inauguradora desta “luta”: Suki Suki Daisuki, de Jun Togawa. Tia Jun, do alto da sua longa carreira cheia de acertos e experimentos, além da contante crítica a vários aspectos da sociedade japonesa, deve ter sentindo um tremendo orgulho dessa molecada ao ouvir essa faixa. Um registro crú, merecedor de estar nesta lista (como se fosse grande coisa) cheia de idols pasteurizadas.
Etsuko Yakushimaru – Radio Onsen Eutopia
Surpresinha que só fui ouvir nas últimas semanas. Já conhecia a cantora e a primeira faixa (Nornir), que foi tema de abertura de um dos melhores animes dos últimos anos: Mawaru Penguindrum. Nem de longe é o que se costuma conceber como música de anime, geralmente domínio hora do jpop convencional ou de bandas de rock normalíssimas, em desenhos de ação shonen.
Consiste de uma apresentação que foi difundida via rádio (da NHK) no dia de natal, do ano passado, e conta entre os seus participantes, além da já citada cantora, nomes de calibre na música japonesa. Sim, Otomo Yoshihide, estou falando de você.A música possuí uma aura poderosa, no maior sentido benjaminiano, mas na necessidade de tagear diria que é um jpop (um tanto puxado pro rock também, em algumas passagens) um tanto – vou utilizar um termo que pode parecer pretensioso mas esse post inteiro está mais ou menos assim – artístico, num sentido de arte bem livre, enfim. Fofo, mas com alma.
385 – Ningen
Agora a coisa fica difícil. Complicado é lidar com altas expectativas. Este álbum, que se prova um bom álbum depois de algumas audições, teve lá o seu gostinho de decepção ao ser ouvido pela primeira vez. Expectativa e realidade. O EP (lá do distante ano de 2010) prometeu alto, e aqui vemos várias coisas diferentes. Nada ruim, só conceitos diferentes mesmo. Existiu uma banda que também fazia uma competente fusão de jazz e punk, hardcore e noise, chamada Midori. Mas ela morreu em 2010, com a saída da vocalista/guitarrista Mariko Goto, que agora está numa aventura com bastante potencial no jpop. Há muita comparação entre essa e aquela, já que ambas fazem um som parecido (Midori sendo mais centrado no piano, ao passo que quase não ouvimos pianos no 385, salvo em algumas passagens). Besteira comparar coisas tão distintas; e esse álbum se sustenta por si só na minha opinião, não precisando referenciar a falecida banda.
Tudo foi bão em 2013, outros 10 álbum batutas em seus respectivos campos:
Boris – Präparat
CAPSULE – CAPS LOCK
Ichiko Aoba – 0
Manierisme – フローリア
Melt-Banana – Fetch
Seiko Oomori – Mahou Ga Tsukaenai Nara Shinitai
Seiko Oomori and Lai Lai Lai Team – Poi Dol
Soutaiseiriron – Town Age
Syzygys – Otona
Tokyo Girls’ Style – Yakusoku